Triunfo da engenharia náutica, o Titanic
naufraga em sua
viagem inaugural e deixa mais de 1.500 mortos. Com
circunstância
nebulosa, tragédia é investigada nos EUA e Grã-Bretanha
|
Pesadelo nas águas geladas do Atlântico: ilustração mostra a cena caótica do naufrágio e do resgate nos pequenos botes |
Totem da ousadia humana, orgulho da engenharia náutica,
colosso de 269 metros de comprimento e 46 mil toneladas, obra-prima
de 7,5 milhões de dólares, o RMS Titanic, tido e havido
como inexpugnável pelos mais insuspeitos especialistas, soçobrou
em sua viagem inaugural. Ao colidir com um iceberg, nas últimas
horas do dia 14 de abril, o navio afundou e levou consigo a vida
de mais de 1.500 pessoas nas águas gélidas do Atlântico
norte. Ao choque e à incredulidade pela notícia, soma-se
agora, no rescaldo da acachapante tragédia, a ânsia
pelas respostas às perguntas que não querem calar.
Como um gigante do porte do Titanic pode ter simplesmente afundado
pelo choque com um iceberg? Porque o maior e mais moderno navio
de nosso tempo não oferecia plenas condições
de segurança a todos os seus passageiros? Autoridades dos
Estados Unidos e da Inglaterra já se mobilizam para investigar
as causas do sinistro e atribuir possíveis responsabilidades.
|
O navio saindo do cais de Southampton para a viagem inaugural: destino tenebroso |
Com poucos dias decorridos do acidente, porém, as informações
ainda são desencontradas, nebulosas e não confirmadas.
O que se sabe pelos relatos dos cerca de 700 sobreviventes, resgatados
pelo RMS Carpathia horas após o infortúnio, é
que o Titanic, que em 10 de abril deixara Southampton, na Inglaterra,
rumo a Nova York, colidiu a estibordo com um iceberg na região
dos bancos gelados de Newfoundland por volta das 23h40 do dia 14.
No contato com a proa, a massa flutuante de gelo abriu um rombo
no casco do navio, e a água passou a jorrar para dentro dos
compartimentos à prova d'água. Cinco deles teriam
sido danificados e inundados, de acordo com o que tripulantes sobreviventes
ouviram de Thomas Andrews, projetista e construtor da Harland &
Wolff (empresa responsável pela fabricação
do Titanic), que inspecionou o estrago momentos depois do abalroamento
e não sobreviveu ao naufrágio.
Aqui começam as interrogações. Os especialistas
não compreendem o motivo pelo qual o Titanic não alterou
sua rota, já que recebeu diversas mensagens pelo telégrafo
alertando sobre a presença de icebergs flutuantes (notadamente
na região 42º Norte e entre a 49º e 51º Oeste)
na véspera da colisão. Mesmo sabendo do caminho potencialmente
acidentado na rota do majestoso transatlântico, o capitão
optou por manter a rota e a velocidade, confiando na calmaria do
oceano - "o mar estava como grama", declarou o segundo
oficial, tenente Charles Lightoller - e na observação
de sua equipe na torre (que, entretanto, estava sem binóculos).
Assim, quando, às 23h40 os vigias Frederick Fleet e Reginald
Lee avistaram um grande bloco de gelo imediatamente à frente
do navio, havia pouco a ser feito. "Iceberg logo à frente!",
anunciaram, em vão. O primeiro oficial, tenente William Murdoch,
ainda tentou uma manobra para desviar o navio pela esquerda, mas
não houve tempo: menos de um minuto depois, veio a colisão.
|
A experiente tripulação: capitão Smith (de barba) pediu socorro, mas não houve tempo |
Quando o veteraníssimo capitão britânico Edward
Smith, de volta à cabine, percebeu que sua embarcação
havia sido comprometida, imediatamente ordenou o envio de sinais
de socorro - tanto via foguetes sinalizadores quanto mensagens de
S.O.S., pelos operadores do sem-fio - e a imediata evacuação
do Titanic. Mas os 20 botes salva-vidas presentes no navio acomodavam
apenas um número máximo de 1.178 passageiros - número
que estava dentro da regulamentação inglesa para navios
de mais de 10.000 toneladas, mas insuficiente para acomodar as 2.223
pessoas que estavam a bordo do transatlântico. Os oficiais
Murdoch e Lightoller comandaram então a distribuição
dos passageiros nos botes, tendo como diretriz a regra internacional
de embarcar prioritariamente mulheres e crianças. Por volta
de 0h45 de 15 de abril, o primeiro bote foi ao mar. Dos 65 lugares
disponíveis, ele levava apenas 28 passageiros. Naquele momento,
muitos ainda não acreditavam que o transatlântico novo
em folha estivesse realmente em perigo.
Apenas quando a água gelada começou a invadir as
cabines e os salões de jogos é que a irreversibilidade
da situação ficou patente. Engenheiros calculam que,
uma hora após o choque, mais de 25.000 toneladas de água
tenham inundado o navio. Por volta da 1h30, a proa estava totalmente
submersa. Pouco mais de 45 minutos depois, quando todos os botes
salva-vidas já estavam ao mar, a popa inclinou-se num ângulo
de 45 graus, e o peso titânico da estrutura fez a embarcação
rachar-se entre a terceira e quarta chaminés. Às 2h20,
o Titanic, pérola da White Star Line, foi completamente engolido
pelo oceano Atlântico. Era o fim do mais rico e moderno transatlântico
já concebido pelo homem - e apenas o início do martírio
de seus outrora orgulhosos passageiros.
|
O iceberg: o gelo tinha marcas de tinta |
Dezenas de pessoas ainda estavam no convés, e muitas lançaram-se
desesperadamente rumo às águas geladas, buscando agarrar-se
a algum destroço do navio ou ser resgatado por um dos botes
salva-vidas. Poucos barcos, porém, retornaram para as proximidades
do local onde o Titanic desaparecera. Seus ocupantes temiam que
a força de sucção da água revolta pelo
naufrágio, ou mesmo o desespero das pessoas tentando subir
nos botes, causassem nova tragédia. Assim, enquanto os pequenos
barcos vagavam na escuridão à espera de resgate, com
cerca de 700 almas trêmulas de frio, algo em torno de 1.510
pessoas teriam seu destino selado ali mesmo, no local do naufrágio,
a maioria absoluta morrendo em decorrência de hipotermia causada
pela temperatura da água, 2ºC negativos. No total, 80%
dos homens e 25% das mulheres feneceram. Aparece então outra
indagação: por que os botes salva-vidas não
foram lançados com suas capacidades máximas? Tivesse
sido esse o desfecho, pelo menos mais 500 pessoas estariam salvas.
Ainda assim, a tragédia poderia ter sido ainda maior caso
o Carpathia, transatlântico pertencente à Cunard Line
que viajava de Nova York para Gibraltar, não tivesse captado
os pedidos de socorro do Titanic e imediatamente alterado sua rota
em direção à última posição
conhecida da embarcação estreante no Atlântico.
Entrou em cena, então, o capitão Arthur Rostron. Com
destreza e presença de espírito que talvez tenham
faltado aos superiores no navio da White Star Line, o timoneiro
britânico, antes mesmo de localizar o Titanic, confiou à
sua tripulação uma lista de 23 tarefas a fim de preparar
o Carpathia para um eventual procedimento de resgate dos possíveis
sobreviventes do naufrágio.
|
Uma das famílias a bordo: o pai morreu, mas a mulher e a criança sobreviveram |
Rostron e seu navio estavam a 50 milhas náuticas (aproximadamente
93 quilômetros) da última posição conhecida
do Titanic. A fim de percorrer essa distância no menor tempo
possível, o capitão ordenou um corte na calefação
no Carpathia para que todo o vapor fosse utilizado nos motores do
navio, aumentando assim a velocidade da nave - que chegou a incríveis
17,5 nós, três vezes e meia a mais do que sua toada
regular. Além disso, Rostron determinou que um suprimento
de cobertores, roupas, comida e medicamentos fosse reunido e ficasse
à disposição dos sobreviventes, assim como
todo o corpo médico e demais integrantes do Carpathia.
O capitão ainda destacou marinheiros para obter a identificação
dos sobreviventes para enviar pelo telégrafo e comandou a
desocupação de todas as cabines dos oficiais, incluindo
a própria, para acomodar as vítimas, dispondo também
das bibliotecas, salão de fumantes e restaurantes para o
mesmo fim. Navegando habilmente por entre blocos de gelo a toda
velocidade, o Carpathia chegou ao local telegrafado pelo Titanic
por volta das 4 horas. E nas quatro horas seguintes, o transatlântico
recuperou catorze botes salva-vidas. Já com o dia claro,
sem esperança de encontrar novos sobreviventes, o capitão
Rostron decidiu voltar com o Carpathia para Nova York a fim de desembarcar
os sobreviventes do Titanic, que chegaram finalmente à cidade
na noite de 18 de abril.
No dia 16, quando ainda não se sabia ao certo a extensão
da tragédia no oceano, o político americano Willian
Alden Smith, senador republicano do estado de Michigan, consultou
um dos assessores do presidente William Taft para saber se o comandante-em-chefe
pretendia tomar alguma providência em relação
ao ocorrido. Como a resposta fosse negativa, Smith, na manhã
seguinte, levou ao Senado uma proposta para que o Comitê de
Comércio da Casa investigasse o desastre, obtendo autoridade
para distribuir intimações a todas as testemunhas
que pudessem fornecer alguma informação relevantes
ao caso. O projeto foi aprovado sem oposição, e Smith
ganhou a nomeação para a presidência de um subcomitê
formado por sete senadores para esquadrinhar a tragédia.
|
Estupefação em todo o planeta: jornais americanos noticiam a tragédia no Atlântico |
Já na manhã do dia 18, a Marinha americana contatou
o senador Smith para informá-lo de que o sistema de inteligência
do departamento havia interceptado algumas mensagens de J. Bryce
Ismay, diretor da White Star Line, indicando que o executivo - que
estava entre os sobreviventes do Titanic no Carpathia - pretendia
retornar à Inglaterra sem pisar em solo americano. Ismay
também determinara que toda a tripulação do
Titanic não desembarcasse em Nova York. Alarmado, o senador
Smith logo pediu uma audiência de emergência com o presidente
Taft para questioná-lo sobre a legalidade de se intimar cidadãos
britânicos. Desde que estivessem nos Estados Unidos não
haveria problema, afirmou Taft, depois de consultar o secretário
de Justiça George Wickersham.
Ao lado do senador democrata Francis Newlands, de Nevada, Smith
embarcou então de imediato para Nova York. No Píer
54, distribuiu intimações a diversos tripulantes do
Titanic e a J. Bruce Ismay. As audiências começaram
no dia seguinte, no Hotel Waldorf-Astoria, e prosseguiam até
o fechamento desta edição. Até agora, mais
de 60 pessoas foram ouvidas, incluindo Ismay. O aguardado relatório
final da investigação deverá ser apresentado
nos últimoss dias de maio perante o Senado. Na Grã-Bretanha,
o governo também decidiu agir. Charles Bigham, o lorde Mersey
of Toxteth, foi nomeado pelo lorde Chancellor Robert para chefiar
a comissão britânica de apuração do acidente,
que contará com a ajuda de cinco especialistas no campo marítimo-naval.
As audiências estão marcadas para começar no
próximo dia 2 de maio, no Royal Scottish Drill Hall, em Buckingham
Gate, Westminster. Cabe então aos nobres políticos
a difícil tarefa de resgatar a verdade mergulhada nas profundezas
do Atlântico.