O estudante de rádio e tv Victor Deppman foi morto em frente a sua casa
na Zona Leste de São Paulo (Reprodução)
Maioridade penal aos 18 anos: um dogma que precisa ser derrubado
O assassinato brutal do
universitário Victor Hugo Deppman, em São Paulo, por um menor, traz mais uma
vez à tona o debate sobre a idade em que as pessoas podem ser consideradas
responsáveis por seus crimes. Não há resposta pronta: o assunto precisa ser
discutido de maneira pragmática, de olho nos efeitos que cada solução pode
trazer
"Essa
limitação da idade de 18 anos foi estabelecida no Código Penal de 1940. Nós
vivíamos em um outro mundo, com outros estímulos. Não se pode dizer que um
jovem de 18 anos daquela época é o mesmo do de hoje. O acesso à informação e à
tecnologia favorece o desenvolvimento desse cérebro mais precocemente",
Kátia Mecler, psiquiatra forense da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)
No último dia 10, há pouco mais de uma semana, a maior cidade do país
acordou assombrada com a morte do estudante Victor Hugo Deppman, de 19 anos. Na
noite anterior, ele foi assassinado brutalmente quando voltava para sua casa,
na Zona Leste de São Paulo, após sair da faculdade. O algoz: um rapaz que, três
dias depois, completaria 18 anos. O delinquente que disparou contra o
universitário já havia sido detido por roubo, mas não chegou a ficar preso por
45 dias, como é comum nesses casos. Livre, ele tirou a vida de Victor Hugo.
Como em outros casos envolvendo menores que agem à margem da lei, o
crime provocou comoção. Foi assim também com as mortes do menino João Hélio Vieites, arrastado por sete
quilômetros após um assalto no Rio de Janeiro, em 2007, e do casal Liana Friedenbach e Felipe Caffé, em 2003, em
Embu Guaçu (SP). No centro das discussões está um tema conflituoso: a maioridade
penal aos 18 anos.
O tema é conflituoso porque está cercado de mistificações e conceitos
pseudocientíficos, alguns deles solidificados em dogmas que impedem que a
discussão ocorra nos seus devidos termos: nem a psicologia, nem a neurologia,
nem a sociologia, nem qualquer outro ramo do conhecimento dará uma resposta
definitiva para que se estabeleça a idade em que as pessoas devem passar a
responder plenamente pelos crimes que cometerem. Esse é um daqueles assuntos
que precisam ser debatidos de maneira pragmática, de olho nos efeitos que cada
solução pode trazer.
Na base da atual legislação está a ideia de que um adolescente não é
capaz de controlar plenamente as suas reações. Isso é verdade. A regra que
fixou a maioridade penal aos 18 anos é de 1940, mas as pesquisas mais recentes
no campo da neurologia confirmam sua premissa. Segundo essas pesquisas, o
córtex pré-frontal, a área responsável pelos "freios" no
comportamento, começa a funcionar por volta dos quatro anos de idade, mas sua configuração
não se completa antes da terceira década de vida. Levada a ferro e fogo,
portanto, a ideia de que é preciso aguardar que uma pessoa esteja no pleno
exercício da sua faculdade de autocontrole jogaria o limite normativo para algo
em torno dos 25 anos - algo que nem o mais ferrenho defensor da maioridade
penal estendida aventa hoje em dia.
Secretário do Departamento Científico de Neurologia Infantil da
Associação Brasileira de Neurologia, José Luiz Dias Gherpelli afirma que não há
um momento exato em que uma pessoa pode ser considerada plenamente responsável
por seus atos. Ele diz que a discussão precisa considerar aspectos sociais e
faz uma comparação: "No Xingu, ninguém tem dúvidas de que um rapaz de 14
anos já é um adulto". Pelo critério da independência do indivíduo, ironiza
Gherpelli, a discussão pode ir longe: "Então, talvez um jovem que tenha 22
anos, more com os pais e receba mesada não seja totalmente imputável pelos
valores da sociedade atual". Em outras palavras, qualquer limite nessa
área terá algo de arbitrário: será uma convenção a ser negociada e transformada
em lei.
A própria legislação brasileira tem marcos conflitantes. Um adolescente
de 14 anos tem, por lei, o direito de manter relações sexuais com um adulto sem
que isso seja considerado estupro presumido. O início da vida sexual implica
profundas transformações psicológicas e afetivas para um jovem; a legislação,
entretanto, considera que nesta idade os adolescentes já são capazes de fazer
escolhas sozinhos. Aos 16, os jovens podem votar. Mais uma vez, o consenso foi
o de que esses adolescentes aptos a decidir o futuro do país - e, portanto,
conscientes de suas opções individuais.
FONTE: REVISTA VEJA
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