82 anos antes de Dilma, Alzira Soriano abriu espaço feminino no Executivo
Em 1928, Alzira foi eleita prefeita no RN, a primeira da América Latina.
Confira histórico das primeiras mulheres no comando da política nacional.
Alzira Soriano, a primeira mulher eleita para um
cargo executivo no país (Foto: Arquivo Pessoal)
cargo executivo no país (Foto: Arquivo Pessoal)
Mais de 80 anos antes de Dilma Rousseff ser eleita a primeira mulher
presidente do Brasil, Alzira Soriano foi a primeira escolhida pelo povo
para um cargo executivo no país – quando mulheres nem sequer tinham o
direito de votar. Em 1928, Alzira, viúva e mãe de três filhas,
conquistou 60% dos votos e em 1º de janeiro do ano seguinte foi
empossada prefeita de Lajes, no Rio de Grande do Norte. Foi a primeira
mulher da América Latina a assumir o governo de uma cidade, segundo
notícia publicada na época pelo jornal americano “The New York Times”.
A distância no tempo não é apenas grande entre Alzira e Dilma, mas
entre ela e todas as outras mulheres que assumiram cargos executivos no
país. A primeira prefeita de uma capital, Maria Luiza Fontenele, de
Fortaleza, tomou posse 57 anos depois de Alzira, em 1986. A primeira
governadora, Iolanda Fleming, do Acre, em maio do mesmo ano. A primeira
prefeita da maior cidade do país, Luiza Erundina, em 1989.
Além de uma bisneta de Alzira, Maria Luiza Fontenele, Iolanda Fleming,
Luiza Erundina e duas cientistas políticas conversaram com o G1 e deram suas avaliações sobre o papel das mulheres brasileiras no Executivo.
“Alzira foi uma mulher à frente de seu tempo, que empurrou a história
do país para frente”, diz Erundina, que atualmente é deputada federal.
“Toda a evolução da participação da mulher na política brasileira nasce
com a ousadia dela”, afirma.
A bisneta da primeira prefeita, a médica Lana Patrícia, de 40 anos, não
chegou a conhecê-la pessoalmente, mas sabe bem as histórias sobre a
personalidade da primeira prefeita. “Ela não levava desaforo para casa.
Era uma mulher muito rígida, muito séria, que comandava com respeito”,
conta.
“Depois de prefeita, ela ainda foi eleita vereadora. Não era o comum da
época, mas ela não se importava com nada disso”, diz Lana. A família
guarda as históricas fotos de Alzira Soriano. Em uma delas, a prefeita
aparece em meio ao seu gabinete formado exclusivamente de homens.
Alzira Soriano em seu gabinete no governo de Lajes (Foto: Arquivo Pessoal)
Alzira ficou apenas um ano no cargo, pelo então Partido Republicano. Em 1930, descontente com a eleição de Getúlio Vargas, ela deixou a função. Apenas dois anos depois disso, em 1932, mulheres conquistariam o direito de votar.
“O voto feminino no Brasil foi conseguido muito tardiamente”, avalia a cientista política Jussara Prá, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Mesmo depois dessa conquista, a restrição ao voto dos analfabetos limitou muito o voto das mulheres – que, em sua maioria, não estudavam. A participação das mulheres cresceu depois dos anos 70”, explica.
Nota no jornal americano 'New York Times'
sobre a eleição de Alzira Soriano
(Foto: Reprodução/NYT)
sobre a eleição de Alzira Soriano
(Foto: Reprodução/NYT)
E mesmo após os anos 1970, segundo ela, o voto da mulher era marcado
pelo conservadorismo e pela resistência a apostar em algo novo. “Ainda
hoje há essa cultura de que mulher não vota em mulher e que política é
assunto de homem. Temos muitos casos de representantes ligadas a
características masculinas – com o traço da cultura política, que é
masculina”, afirma Jussara Prá.
Para Maria Luiza Fontenele, primeira prefeita de uma capital, pelo PT, a
experiência rendeu apenas desilusão. Oriunda do movimento estudantil e
de organizações feministas, ela conta que mudou sua visão da política
após a passagem pela prefeitura de Fortaleza, marcada por intensas
greves e protestos violentos.
“Descobri que não adiantava apenas ser honesta e querer o melhor para o povo, porque a lógica do sistema é contrária a isso”, afirma. “A experiência da prefeitura me ajudou a perceber que as coisas não mudavam não porque nós, mulheres, não tínhamos poder. Não era questão de ter poder”, afirma.
“Descobri que não adiantava apenas ser honesta e querer o melhor para o povo, porque a lógica do sistema é contrária a isso”, afirma. “A experiência da prefeitura me ajudou a perceber que as coisas não mudavam não porque nós, mulheres, não tínhamos poder. Não era questão de ter poder”, afirma.
Maria Luiza deixou a política e hoje participa de um grupo chamado
“Crítica Radical”, que prega “uma nova força de organização das relações
humanas.” Para ela, a eleição de Dilma Rousseff tem “pouco impacto.”
“Achar que uma mulher no Brasil, como um negro nos Estados Unidos, vá
mudar alguma coisa é ingenuidade,” diz.
(Arte/G1)
Para a primeira mulher a tomar posse de um governo estadual, no
entanto, a avaliação é diferente. Iolanda Fleming, do PTB, foi eleita
vice-governadora do Acre em 1983. Quando o governador Nabor Júnior
deixou o cargo em 1986 para disputar o Senado, ela se tornou a primeira
mulher a governar um estado brasileiro – mais tarde, em 1995, Roseana
Sarney, do Maranhão, se tornou a primeira governadora eleita do país.
“Enfrentei dificuldades e, não vou mentir, preconceito”, conta. “Mas
tive o apoio bem próximo do movimento feminista e conseguimos superar o
atraso na mentalidade de alguns para fazer um bom governo”, afirma.
A ex-prefeita Luiza Erundina também revela preconceito – um
“preconceito triplo”. “Somam-se em mim várias características: eu sou
mulher, nordestina e de esquerda”, conta. “Tudo isso dificultava as
pessoas a enxergarem o momento histórico que era ter uma mulher na
prefeitura de São Paulo”, conta a deputada reeleita em 2010, agora no
PSB.
Erundina afirma que sofreu com o machismo até mesmo dentro de seu então
partido, o PT. “Os dirigentes do partido não esperavam que eu vencesse a
prévia. Depois, que eu vencesse a eleição. Foi um momento complicado”,
afirma.
Para ela, o PT e a sociedade brasileira evoluíram muito até a eleição
de Dilma Rousseff. “Vão aí 20 anos e 20 anos de muitas mudanças. Mas
ainda assim é um processo lento. Se você vir a eleição da Alzira até
hoje, são 82 anos”, conta.
A cientista política Maria do Socorro Souza Braga, da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), concorda. “O Brasil demorou muito para
levar uma mulher à presidência. Argentina, Chile, Nicarágua fizeram isso
antes. Nesses 80 anos, o país se modernizou em muitas áreas, mas essa
questão demorou.”
Dilma Rousseff, a primeira presidente do Brasil
(Foto: Roberto Stuckert Filho)
(Foto: Roberto Stuckert Filho)
Erundina comemorou a eleição de Dilma. “É uma mulher presidente e não é
qualquer mulher. É uma mulher que tem o histórico, a competência e a
responsabilidade de Dilma Rousseff. É um momento muito importante para a
história do Brasil e a para a história das mulheres do Brasil”, diz
ela.
“É para celebrar. No entanto, não podemos ter a ilusão de que, por
isso, as mulheres conquistaram a igualdade. As mulheres ainda são menos
de 9% da Câmara dos Deputados e a nossa representação caiu. Na
Argentina, as mulheres são 40% da Câmara”, afirma.
Jussara Prá faz a mesma avaliação. “No Brasil, ainda há uma
sub-representação da mulher nos cargos políticos”, afirma. “Em países
nórdicos, por exemplo, há uma equiparação de homens e mulheres nos
órgãos representativos. A Argentina, aqui do lado, é mais avançada com
relação a isso. O Brasil é dos mais atrasados”, diz.
Maria do Socorro Braga diz que o governo Dilma será “muito simbólico”.
“Por tudo isso, Dilma tem a responsabilidade de mostrar que é capaz. Aos
homens, que pode governar como eles e às mulheres de que outras também
podem. Será um exemplo para as próximas que virão”, afirma.
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