A primeira mulher eleita na história política do Brasil
Carlota de Queiroz - A única mulher entre 254 homens na Câmara dos Deputados, em 1934
A primeira mulher eleita na história política do Brasil
A primeira eleita
“Há
76 anos, Carlota Pereira de Queiroz abria os caminhos para a igualdade
de gênero no País e a entrada da mulher na política brasileira
Jorge Caldeira
Carlota
Pereira de Queiroz (1892-1982) foi a primeira mulher a ser eleita no
Brasil para a Constituinte de 1934. Médica, ficou conhecida por seu
trabalho durante a Revolução de 1932, quando organizou o atendimento aos
combatentes feridos. Na esteira dessa revolução, foram convocadas
eleições, as primeiras nas quais mulheres puderam votar e serem votadas.
Do
trabalho dos congressistas, resultou a primeira Constituição em que os
direitos da mulher se equiparavam formalmente aos dos homens. Ao final
dos trabalhos, Carlota Pereira de Queiroz fez um discurso, do qual foi
retirado o trecho ao lado, avaliando os avanços na condição da mulher:
"Ao
ocupar novamente a tribuna desta Casa, a que muito me honro de
pertencer, sejam as minhas primeiras palavras de regozijo, por ver,
definitivamente, confirmada, entre nós, a colaboração da mulher na
política do País, com a eleição de várias representantes femininas para
as assembléias constituintes estaduais.
Coube-me
o privilégio de ser a iniciadora dessa nova época. Coincidência apenas,
nada mais. Há sempre uma série de fatores que preparam um fenômeno
social, e só a casualidade faz com que seja este ou aquele o primeiro
por ele atingido. O indivíduo, em tais situações, nada significa, nunca
se trata de uma consagração pessoal. No caso em questão, foi exatamente o
que se deu.
Situações
como essa, em que me vi arrastada pela deliberação coletiva de um povo,
que, por força de circunstâncias, me elegeu como sua primeira
representante feminina para o Parlamento, caberiam melhor a espíritos
combativos, que se lançassem na luta, com largas visões de futuro. Mas
nunca foi esse o meu feitio. E, receosa de vir a prejudicar até o êxito
futuro dessa causa tão promissora, procurei agir com prudência, para que
ela viesse a realizar um dia os altos fins a que estava destinada.
Agora, sentindo já a continuação dessa modesta obra de principiante,
sinto-me quase envaidecida da missão que me coube preencher.
Perdoem-me,
portanto, as minhas colegas femininas, se cheguei a desapontá-las com o
meu modo de agir, apagado e tranquilo, que lhes há de ter parecido até
de todo improdutivo... Não me acodem remorsos neste momento, porque já
me é dado contemplar, cheia de orgulho, as minhas continuadoras. Ao
menos, prestei-lhes o serviço de não lhes perturbar a marcha
triunfante...
Embora
não me arrogue direitos de líder feminista, mesmo porque sempre fui
contrária às organizações partidárias exclusivamente femininas, cabe-me
hoje uma pequena responsabilidade no modo por que foi orientada, no seu
início, a colaboração da mulher na política, entre nós. E, por essa
razão, sinto-me obrigada a fazer algumas considerações a respeito da
situação da mulher, em face da nova Constituição Brasileira. Justifica
essa minha atitude um artigo recentemente publicado na revista americana
Equal Rights, da Comissão Interamericana de Mulheres, que acabo de
receber dos Estados Unidos. Esse fato levou-me à convicção de que o
posto de única mulher eleita é de repercussão muito maior do que parecia
ter à primeira vista, porque representa um passo a mais na evolução de
um problema mundial. Assinado pelas senhoras Helen Will Wood e Betty
Gram Swing, membros da Comissão Intercontinental de Ratificação e
Adesão, representa o referido artigo, intitulado "An Appraisal of the
New Constitution of Brazil", uma grande deferência prestada por aquela
agremiação à nova Constituição brasileira. E, em homenagem à sua
diretoria, que assim nos distingue, é que dele me ocupo perante esta
Assembléia.
Em
relação ao sufrágio universal, aos direitos e garantias dos cidadãos e à
legislação do trabalho, consideram, aquelas autoras americanas, que a
Constituição brasileira alcançou fins muito elevados. Julgam-na
demasiado longa, mas bastante clara. Afirmam ainda que é obra de um povo
progressista e amante da liberdade, porque reconhece a igualdade de
todos perante a lei, permite às mulheres o exercício de cargos públicos,
institui o concurso obrigatório para admissão aos mesmos e favorece a
completa expansão cultural da mulher, admitindo-a nos cursos
universitários.
Essa
opinião, por todos os modos respeitável, sobre o assunto precisa acabar
por nos convencer, a nós, mulheres brasileiras, de que o chamado
problema do 'feminismo' deixou de existir entre nós com a promulgação da
nova Constituição."
Claro,
ainda haveria um longo caminho até a Presidência da República. Mas,
como dizia Mao Tse Tung: "Toda longa marcha começa com um primeiro
passo".
O
texto acima faz parte do livro Brasil - A História Contada por Quem
Viu, organizado por Jorge Caldeira e publicado pela Editora Mameluco.”
Fonte: Revista Brasileiros – Edição 41 – dezembro 2010