O diretor-superintendente do Departamento Estadual de
Trânsito (Detran), Walter Wanderley de Paula Pena, será o primeiro convocado a
depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para investigar o desvio
de dinheiro do Detran para atividades político desportivas. O depoimento está
previsto para a próxima quarta-feira e a convocação foi aprovada ontem, sem
grandes discussões entre os integrantes da comissão.
Após uma semana sem votações por falta de quórum, a
CPI do Detran fez ontem a primeira reunião de trabalho, após a instalação. Foram
aprovados três requerimentos. Além da convocação do diretor do Detran, os
deputados decidiram pedir à Federação Paraense de Futebol (FPF) a lista de
jogadores do Santa Cruz de Cuiarana, time que tem o senador Mário Couto como
patrono. Será pedida também a folha de pessoal do Detran, em especial dos que
têm contratos temporários. Os dados serão cruzados.
Além de Walter Pena, a CPI poderá convocar o
presidente do Sindicato dos Servidores do Detran, Élson Oliveira, que teria
novas denúncias a fazer sobre corrupção no órgão. O presidente do clube Santa
Cruz também poderá ser chamado, mas esses dois depoimentos devem ser colhidos em
uma segunda etapa dos trabalhos.
ROTEIRO
Ontem, a CPI aprovou ainda o roteiro de trabalho
apresentado pelo relator, deputado Fernando Coimbra (PSD). Pelo cronograma, os
trabalhos vão começar com levantamentos de informações junto ao Detran, Imprensa
Oficial e Secretaria de Estado de Administração. Em seguida será feita a
sistematização do material.
Coimbra pediu que os órgãos investigados fossem
visitados. Com isso, a CPI deve ir a Salinópolis para vistoriar o Ciretran
local, onde estariam lotados parentes de jogadores do Santa Cruz. Segundo
denúncias, eles recebem os salários e repassam ao clube para ajudar a pagar a
folha da Associação privada.
A CPI tem prazo de 90 dias para encerrar os trabalhos
e apresentar o relatório, que deverá ser enviado a várias autoridades do
Estado.
O clima na primeira reunião de trabalho foi ameno.
Houve discordâncias, contudo, sobre a abrangência da apuração. Os deputados
Carlos Bordalo (PT) e Francisco Melo (PMDB) defendem que a CPI seja mais ampla e
apure suposto desvio de recursos por meio de contratos. Bordalo apresentou
requerimento para que os responsáveis pelas empresas Climept e Arqdigital Ltda
sejam chamados a depor. Os dois requerimentos ainda serão analisados nas
próximas reuniões.
A Climpet tem contrato com o Detran para realização de
exames médicos e psicotécnicos. O contrato teria prazo máximo de cinco anos, mas
já está 10 meses além desse prazo.
GRAVAME
A Arqdigital Ltda teria arrecadado mais R$ 10 milhões
fazendo o registro de veículos financiados, o chamado gravame. Esse registro é
uma espécie de carimbo indicando que a propriedade do bem é, temporariamente, do
banco ou da financeira que fez o financiamento até que o débito seja quitado. Há
informações de que o próprio Detran poderia fazer esse registro a um custo muito
menor.
O presidente da CPI, deputado Ítalo Mácola (PMDB)
disse temer que a ampliação da investigação faça com que a CPI “perca o foco”.
Ontem, os deputados não chegaram a um acordo, porém, se a investigação vai se
limitar a apurar a folha de pessoal ou se também se estenderá para os
contratos.
O relacionamento entre Carlos Bordalo e o relator
Fernando Coimbra também parece ter melhorado. Bordalo chegou a pedir a renúncia
de Coimbra da relatoria, em razão das suspeitas de envolvimento deste em fraudes
no seguro defeso. Quando ainda era aliado de Ana Júlia, Coimbra foi classificado
pelo senador Mário Couto como “assaltante dos cofres públicos”.
Couto é hoje o principal alvo da CPI e o relator foi
escolhido com aval do governador Simão Jatene, do mesmo partido do senador
investigado. “O relator cumpriu, parcialmente, as nossas expectativas. Vamos
analisar daqui para frente”, disse Bordalo. “Estou seguro e certo de que tenho
uma missão a cumprir com a sociedade”, afirmou Coimbra.
O deputado Francisco Melo, o Chicão, (PMDB) alertou
ontem os deputados que o diretor-superintendente do Detran, Walter Pena ocupa o
cargo de maneira irregular, de acordo com a Constituição do Estado. Isso porque
todos os chefes de autarquias (caso do Detran), presidentes de fundações e de
empresas de economia mista só podem ser nomeados após passarem por sabatina dos
deputados que precisam referendar a indicação. “Todos os atos dele (diretor do
Detran) estão desprovidos de legalidade”, afirmou Chicão.
A Constituição estadual determina que os governadores
sejam obrigados a enviar os nomes dos indicados a 29 cargos públicos para
apreciação da AL antes que estes sejam nomeados.
Os governadores costumam ignorar essa prática. Em
2009, a AL aprovou requerimento do então líder da oposição, José Megale (PSDB)
ameaçando ir à Justiça contra o governo da petista Ana Júlia que não havia
enviado nenhum dos ocupantes de cargos públicos para sabatina. O não cumprimento
desse requisito legal pode levar à anulação de todos os atos do ocupante
irregular do cargo. Ítalo Mácola disse que a CPI vai apurar qual a razão de
Walter Pena não ter sido sabatinado.
Pai e filha têm bens bloqueados
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai
investigar os contratos de publicidade firmados entre o Detran, durante a gestão
de Ana Júlia, nem bem começou e já dá sinais de desarranjos. Na semana passada,
uma manobra da bancada aliada conduziu à presidência o deputado Zé Maria (PT),
ausente na reunião em virtude de participação em uma audiência pública no
município de Juruti. De volta a Belém, o parlamentar anunciou, ontem, o declínio
ao cargo.
“Defendo que a CPI possa efetivamente investigar todas
as denúncias de irregularidades no uso de verbas públicas para o processo de
publicidade do Detran, no governo Ana Júlia, sem que haja nenhuma interferência
política ou vício que possa comprometer uma investigação correta, transparente,
rigorosa e justa”, justificou Zé Maria, que se disse surpreso com a
indicação.
O parlamentar garantiu que não abrirá mão da condição
de titular da CPI. Para ele, a decisão acertada com o partido revela coerência.
“Nós estamos cobrando do governo uma atitude em relação a outra CPI (investiga
desvio de recursos do Detran em benefício à Associação Atlética Santa Cruz) e
não poderíamos agir diferente disso. Acreditamos que essa seria a melhor atitude
a ser tomada também pela bancada aliada. Nossa proposta é um compartilhamento de
responsabilidade”, disse o deputado, que é a favor de uma inversão de cadeiras
na composição das duas CPIs. “Não tem sentido governo investigar governo. É
papel da oposição investigar”. Quem assumirá a presidência desta CPI é a
deputada Cilene Couto (PSDB).
DEPUTADA
A deputada atuou por muitos anos como parceira do pai
senador Mario Couto, durante sua gestão na presidência da Assembleia Legislativa
(AL) entre 2004 e 2007, quando ocorreu um dos maiores escândalos de corrupção do
parlamento estadual em muitos anos: o caso Tapiocouto.
Pelo menos onze processos licitatórios teriam sido
fraudados no período, acarretando, segundo o Ministério Público do Estado,
desvios na ordem de R$ 13 milhões. E quem presidia na época o Controle Interno
da casa, cuja função principal é fiscalizar as contas e prevenir ações ilícitas,
incorretas ou impróprias que possam gera dano ao erário? Ela mesma: Cilene
Couto. Ou seja, a filha controlava as ações do pai.
O desvio era feito através de fraude na folha de
pagamento e em processos de licitação forjados. Quando assumiu a presidência da
AL, o então deputado Mário Couto nomeou pessoas da confiança dele para cargos
estratégicos, que viabilizariam o esquema, sem se preocupar com a prática do
nepotismo: e filha Cilene Couto ficou com a presidência da comissão de Controle
Interno, de onde só saiu para disputar o cargo de deputada estadual, para o qual
foi eleita.
Outro filho ficou com a auditoria da casa. E o amigo e
braço direto, Sérgio Duboc, assumiu o departamento financeiro, que controlava
todo o esquema. Duboc foi indicado por Mário Couto para a diretoria-geral do
Detran, de onde saiu em meio ao escândalo da AL, tendo inclusive a sua prisão
preventiva decretada.
Com base nas provas do MP, o juiz da 1ª Vara Civil
bloqueou, no ano passado, os bens do senador e de mais 38 pessoas, entre elas
Cilene. Parte do bloqueio de bens permanece hoje. O senador pode movimentar
apenas a conta do Banco do Brasil em que recebe o salário do Senado. Todos os
outros bens móveis e contas correntes permanecem bloqueados. O objetivo é
impedir a transferência para terceiros e,com isso garantir que, em caso de
condenação, que senador possa ressarcir os cofres públicos.
“Cegueira deliberada” do controle interno da
AL
A prova de como o controle interno atuava na época
está na denúncia do MP à Procuradoria Geral da República, que desnudou todo o
esquema. Uma das formas de desvio era o pagamento de serviços não realizados
feitos a empresas fantasmas que pertenciam a então servidores da casa. A mais
famosa das empresas foi a Croc Tapioca que, segundo os promotores, vendia “do
feijão ao avião” para a AL. As denúncias de desvio de recursos públicos já
tiveram desdobramentos na Justiça Estadual, já que o foro privilegiado de Couto
não se aplica ao julgamento por improbidade que pode obrigar o senador a
devolver aos cofres públicos os milhões desviados.
“Essas pessoas (Mário e Cilene Couto) têm legitimidade
porque foram eleitas para zelar pelo erário público. E elas foram as primeiras
que saquearam, que vilipendiaram esse erário. Por isso uma das medidas mais
importantes é a devolução do que foi desviado para o erário, que foi
assaltado...”, afirmou o promotor Nelson Medrado, que investigou o
escândalo.
A promotoria atua em duas áreas: criminal, onde
solicitará que os envolvidos paguem com penas de prisão; e na área da
improbidade, exigindo o ressarcimento do que foi desviado.
Além dos pagamentos às empresas que, supostamente,
prestavam serviços à AL, havia também o esquema de desvio de dinheiro através de
uma folha salarial extra. A AL tinha uma folha oficial que era paga e uma
segunda arquivada, que era metade da oficial. “Se o controle interno da
Assembleia Legislativa tivesse atuado descobriria facilmente o esquema”, disse
Medrado. Segundo ele, “houve uma cegueira deliberada”.
“As pessoas se fingiam de
cegas para permitir os saques. Era impossível não saber o que estava ocorrendo.
Era grandioso, monumental (o esquema)”, aponta Medrado. Segundo o MP saiam, por
semana, de R$ 400 mil a R$ 600 mil do Banpará para servidores da AL.
(Diário do Pará)